Geral
Há 20 anos de sua morte, Brizola liderou resistência armada e evitou golpe militar em 1961

Leonel Brizola ostentava um currículo político invejável. No Rio Grande do Sul, foi prefeito de Porto Alegre, deputado estadual, deputado federal e governador. No Rio de Janeiro, deputado federal e duas vezes governador.
Ele disputou a Presidência da República em duas ocasiões. Na primeira, ficou em terceiro lugar. Candidatou-se a vice-presidente do país e acabou em segundo lugar. Criou uma agremiação política que existe até hoje, o Partido Democrático Trabalhista (PDT).
Brizola fez parte da vida pública brasileira em toda a segunda metade do século 20. O currículo político só não foi mais extenso porque ele, inimigo dos generais que tomaram o poder em 1964, passou os primeiros 15 anos da ditadura militar no exílio.
Faz 20 anos que o Brasil perdeu a voz indignada e combativa de Brizola. Vítima de enfarte, ele morreu em 21 de junho de 2004, aos 82 anos de idade.
Dos muitos episódios que protagonizou, o que o levou definitivamente aos livros de história foi a Campanha da Legalidade, em 1961. Não fosse essa iniciativa de Brizola, é provável que João Goulart (mais conhecido como Jango) jamais tivesse chegado à Presidência da República.
Logo após a renúncia do presidente Jânio Quadros, os três chefes das Forças Armadas decidiram vetar a posse de Jango, o vice, por considerá-lo excessivamente de esquerda e aliado dos comunistas — o mundo vivia o auge da Guerra Fria.
Governador gaúcho, Brizola imediatamente deflagrou em Porto Alegre uma reação armada, a Campanha da Legalidade, que garantiu, no fim, o cumprimento da Constituição e a posse do vice, impedindo o golpe de Estado.
Documentos da época guardados hoje no Arquivo do Senado, em Brasília, confirmam o papel central de Brizola.

Num discurso, o então senador Lima Teixeira (PTB-BA) resumiu:
— Leonel Brizola, numa das horas mais difíceis para a nacionalidade, quando estivemos a braços com uma das nossas maiores crises político-militares, deu-nos um exemplo edificante com a sua atitude desassombrada. Só não enveredamos pelo caminho errôneo das soluções extralegais graças a esse ilustre governador. Se ainda hoje continuamos nesta Casa [no Senado], devemos, em grande parte, à atuação de Sua Excelência. O governador Leonel Brizola alertou e preparou o povo riograndense para defender a legalidade, quaisquer que fossem as circunstâncias, se porventura tivéssemos descambado para uma solução que não a democrática.
Leonel Brizola era casado com Neusa Goulart, irmã de Jango. Os dois políticos gaúchos pertenciam ao Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), sigla ligada aos trabalhadores urbanos e aos sindicatos.
Diante do veto dos comandantes militares a Jango, Brizola se entrincheirou no Palácio Piratini, sede do governo do Rio Grande do Sul, em Porto Alegre, onde seu principal instrumento foi a voz. De lá, num estúdio de rádio improvisado, fez pronunciamentos transmitidos em todo o Brasil denunciando o golpe de Estado e convocando a população a não permitir a quebra da legalidade.
O Arquivo do Senado conserva trechos de um dos discursos radiofônicos:
— Povo de Porto Alegre, meus amigos do Rio Grande do Sul! Não desejo sacrificar ninguém, mas venham para a frente deste palácio, numa demonstração de protesto contra essa loucura e esse desatino. Venham. E, se eles quiserem cometer essa chacina, retirem-se, mas eu não me retirarei e aqui ficarei até o fim. Poderei ser esmagado. Poderei ser destruído. Poderei ser morto. Não importa. Ficará o nosso protesto, lavando a honra desta nação.
O governador conseguiu o apoio de militares de seu estado e também da população gaúcha, que pegou em armas e se dispôs a enfrentar as tropas federais que tentassem sufocar a resistência.
Do comando da Aeronáutica, partiram ordens — não cumpridas — para que o Palácio Piratini fosse bombardeado.
Ao fim de uma semana de crise e incerteza, Brizola teve sucesso. Cientes de que o Brasil mergulharia numa guerra civil se o governador continuasse resistindo, os militares resolveram aceitar Jango. Mas com uma condição: que ele, uma vez no Palácio do Planalto, não tivesse plenos poderes.
Desejando também evitar um banho de sangue e ao mesmo tempo garantir a posse do vice-presidente, um grupo de políticos liderados pelo mineiro Tancredo Neves articulou a adoção do parlamentarismo no Brasil. Jango seria, sim, presidente, mas a maior parcela do poder ficaria nas mãos de um primeiro-ministro.
Para Brizola, contudo, o desfecho da crise política não foi plenamente satisfatório. Ele defendia que Jango só aceitasse tomar posse com plenos poderes, tal qual mandava a Constituição, sem fazer nenhuma concessão aos golpistas. O novo presidente da República, que era mais conciliador que seu cunhado e correligionário, topou a saída parlamentarista.
Na prática, olhando em retrospectiva, o que Brizola fez em 1961 foi retardar em quase três anos o golpe de Estado que deu início à ditadura militar.
Os militares, no entanto, não ficaram apaziguados. Unidos a empresários e políticos de direita, eles voltaram a conspirar em 1963, depois que a população brasileira, num plebiscito, optou por retomar o presidencialismo, acabar com a figura do primeiro-ministro e conferir plenos poderes a Jango.
Esse grupo não via com bons olhos as chamadas reformas de base, que eram o grande programa de governo de Jango. Entre os projetos prometidos pelo presidente, estava a reforma agrária.
Nesse tempo, Brizola já sonhava ser presidente da República. De olho nesse objetivo, concorreu a deputado federal pela Guanabara (a cidade do Rio de Janeiro, antes o Distrito Federal, tornou-se o estado da Guanabara logo após a transferência da capital federal para Brasília). Ele entendia que teria mais projeção nacional sendo representante dos cariocas na Câmara, e não dos gaúchos. Acabou sendo o deputado mais votado do Brasil.
Em 1964, no famoso discurso proferido diante da Central do Brasil, no Rio de Janeiro, Jango anunciou medidas para tirar do papel as reformas de base. Assumindo uma posição radical, o deputado Brizola também discursou e defendeu a eleição imediata de uma Assembleia Constituinte para elaborar uma Constituição nova, que facilitasse a execução das reformas de base.
No meio da multidão, viam-se cartazes com os dizeres “Cunhado não é parente, Brizola presidente”.
A fala de Brizola repercutiu no Senado. O senador Daniel Krieger (UDN-RS) o acusou de pregar uma “revolução”. Em sua defesa, saiu o senador Arthur Virgílio (PTB-AM), que afirmou:
— Ouvi o discurso do deputado Leonel Brizola no comício, da primeira à última palavra, e posso dizer que ele fez, de fato, uma crítica candente ao Congresso. Declarou que o povo não mais deve esperar votação de medidas por parte dos membros das duas Casas. E como o povo é, na democracia, o poder soberano, a decisão a ele deveria ser entregue por meio de uma Constituinte. É uma opinião, uma tese. Qual ameaça pode haver nessa opinião, nessa tese, para as instituições democráticas? Falou, porventura, o deputado Leonel Brizola aconselhando o povo a que se armasse, como fez o presidente da UDN, deputado Bilac Pinto?
Virgílio prosseguiu:
— Embora o deputado Leonel Brizola dê ênfase às teses que defende, embora fale com muito vigor, nunca o escutei insultar os seus adversários, nunca o ouvi pregar a revolução sangrenta. Ele prega o inconformismo. E também o faço e assim continuarei. Não aceito a ordem social, econômica e jurídica que aí está. Prego o inconformismo das nossas classes proletárias. Quero que o trabalhador não aceite a condição abjeta de vida a que o atiraram. Quero que o camponês não admita a condição de pária. Prego o inconformismo. Estarei pregando a revolução? Estarei me transformado em revolucionário?
Duas semanas e meia depois do comício da Central do Brasil, o golpe militar foi deflagrado e Jango, derrubado. Brizola ainda tentou articular um movimento de resistência semelhante à Campanha da Legalidade, mas dessa vez não teve sucesso. Jango preferiu capitular a correr o risco de mergulhar o país numa guerra civil.
Inimigo declarado dos militares golpistas, Brizola perdeu o mandato na Câmara e, para não ser preso, exilou-se com a família no Uruguai. De lá, combateu a ditadura recém-instalada organizando guerrilhas armadas com companheiros que haviam permanecido no Brasil. As ações fracassaram.

Anos mais tarde, em 1980, o senador Jarbas Passarinho (PDS-PA), que integrou a ditadura, lembrou os planos do ex-governador gaúcho:
— O movimento de 1964 tinha indiscutível vocação democrática e, entretanto, desviou-se, dado o reagrupamento imediato das esquerdas após a vitória das armas. Havia uma oposição ilegal tentando a contrarrevolução no Brasil, comandada no Uruguai, sediada no seu treinamento em Cuba e revelada, confessada, faz pouco aqui no Brasil pelo senhor Leonel Brizola.
O senador Paulo Brossard (PMDB-RS) o interrompeu:
— Nobre senador Jarbas Passarinho, tive a fortuna de conhecer um homem chamado Raul Pilla, mestre que disse isto: “O ofício do exilado é conspirar”. Que os exilados conspirassem, é natural. Agora, que um governo todo-poderoso, que tinha todos os poderes que tinha o governo Castello Branco, se divorciasse do caminho da lei, para percorrer aquilo que ele mesmo havia chamado “os perigosos atalhos do arbítrio”, vai uma grande diferença.
Com a instauração de uma ditadura também no Uruguai anos mais tarde, Brizola se refugiou nos Estados Unidos. Depois disso, foi para Portugal.
O nome de Brizola foi frequentemente citado pelos senadores mesmo durante os 15 anos de exílio. Em 1976, Jarbas Passarinho, então senador pela Arena, discursou:
— Creio que alguns historiadores chamados brasilianistas, que se têm voltado com profundidade ao estudo da história do Brasil, têm a tendência de admitir que essa revolução [o golpe de 1964] foi uma contrarrevolução, apenas porque se preparou para impedir um golpe que possivelmente viria, partido do senhor Leonel Brizola, que era uma espécie de enfant terrible [indivíduo imprudente que causa problemas] do grupo que cercava o senhor João Goulart àquela época.
O senador Eurico Rezende (Arena-ES) afirmou em 1978:
— Veio a revolução de 1964 e arrancou o país do caos. Faço referência à tentativa da bolchevizadora revolução pernambucana urdida pelo ex-governador Miguel Arraes com a colaboração decisiva do senhor Leonel Brizola, que estavam comprometidos na tarefa sinistra de lesa-pátria através da importação do comunismo cubano. Se não é a vigilância das Forças Armadas, de mãos dadas com o poder civil, este país estaria hoje dividido em Brasil do Norte e Brasil do Sul, assim como ocorreu no Vietnã e na Coreia.

De acordo com o historiador Américo Freire, não passa de “bobagem” a versão de que Brizola estava prestes a dar um golpe de Estado e foi impedido pelos militares.
— Brizola, de fato, pressionou Jango a adotar políticas sociais mais radicais, mas ele não tinha ascendência sobre o presidente. Era Jango que mandava, e ele tinha um perfil conciliador, bem menos incisivo que o de seu cunhado. Eles discordavam em muitas coisas — diz Freire, que é professor do Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (CPDOC) da Fundação Getulio Vargas, e organizador do livro A Razão Indignada: Leonel Brizola em Dois Tempos (1961-1964 e 1979-2004), da Editora Civilização Brasileira.
O historiador prossegue:
— Pode-se dizer que Brizola estava, sim, interpelando a ordem institucional daquele momento, mas não conspirando para promover uma ruptura política.
Brizola nasceu numa família pobre de Carazinho (RS) em 1922. Trabalhou desde criança. Foi, por exemplo, engraxate e ascensorista. Em Porto Alegre, organizou a ala jovem gaúcha do PTB e se formou em engenharia civil na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Ele governou o estado entre 1959 e 1963. Entre os legados de seu mandato no Rio de Grande do Sul, ficaram muitas escolas públicas e um programa de reforma agrária. Os problemas sociais eram algo que o incomodavam.
Em 1961, o senador Guido Mondim (PRP-RS) citou num discurso que 2 mil escolas públicas haviam acabado ser inauguradas em seu estado num mesmo dia:
— Realização do governador e engenheiro Leonel Brizola, em cumprimento ao programa traçado durante sua campanha eleitoral. Perguntarão os nobres colegas: Onde o governo gaúcho encontrou recursos? Criou-se a taxa de educação, isto é, cobra-se um adicional de até 20% sobre os impostos estaduais para aplicação no ensino primário. Foram contratadas nada menos que 12.370 professoras novas. No desenvolvimento desse plano, esperamos ver 1,3 milhão de crianças matriculadas em 1962. Portanto, nenhuma criança gaúcha sem escola!
Em 1962, o senador Lima Teixeira leu para os colegas uma carta em que Brizola sugeria ao Senado ideias para um projeto de reforma agrária em âmbito nacional, incluindo a fixação de um limite para o tamanho da propriedade rural nas mãos de uma única pessoa e também a criação de leis trabalhistas para o campo.
Na carta, Brizola disse que pensou essas ideias juntamente com cooperativas rurais e trabalhadores sem terra tendo como objetivos “a dignidade da pessoa humana” e “a valorização do homem através do trabalho de sentido social e cristão”.
Nacionalista, o governador do Rio Grande do Sul denunciava os abusos cometidos pelo “capital estrangeiro” e determinou a encampação (apropriação) de duas empresas americanas que prestavam serviços públicos no estado — uma de energia elétrica e outra de telefonia.
O governador chegou a criar duas revistas em quadrinhos genuinamente gaúchas, Piazito e Lupinha, por considerar que os populares gibis americanos, como os de Walt Disney, eram perniciosos para as crianças brasileiras.
O exilado Leonel Brizola só pôde retornar ao Brasil em 1979, após o general João Baptista Figueiredo assinar a Lei da Anistia. O Brasil estava no processo de abertura política.
O senador Agenor Maria (MDB-RN) ficou inconformado diante do amplo espaço dedicado pela imprensa às movimentações de Brizola:
— Já se prega a volta de Brizola e já se diz que vai fundar o PTB. Pelo amor de Deus, o que querem dizer Brizola e PTB hoje, depois de 15 anos? Depois de uma revolução que foi feita para dar ao povo brasileiro a estabilidade? Repugna-me abrir os jornais e ler a volta de homens que já, sinceramente, fazem parte do passado deste país. Sim, fazem parte do passado. O presente é outro.
O senador Orestes Quércia (MDB-SP) discordou:
— Nenhum democrata brasileiro pode deixar de saudar o retorno de patriotas como Leonel Brizola. Seu retorno, nas asas desta anistia capenga e canhestra, que deixa tantos à margem e não liquida com o aparato repressivo, não deixa de ser uma conquista das forças democráticas. Brizola volta para reorganizar o Partido Trabalhista Brasileiro, que tem em sua tradição momentos significativos de defesa das reivindicações populares.
Brizola entrou no Brasil por Foz do Iguaçu (PR), onde foi recebido por quase 2 mil pessoas. O senador Leite Chaves (MDB-PR) foi um dos políticos que lhe deram as boas-vindas:
— A despeito da boa vontade, não conseguiram os jornais transmitir a vibração daquela massa humana, aquele calor estabelecido entre os que o esperavam e o ex-governador Leonel Brizola, que, com a esposa, regressava de longo, duradouro e sofrido exílio. O exílio é terrível. O exílio é pior do que a prisão. É muito mais doloroso porque é o arrancar da pátria. Somente as consciências maduras e os valores consagrados são capazes de resistir ao exílio e nele se engrandecer.
A ditadura sabia que Brizola não havia desistido do sonho de se tornar presidente da República. Para enfraquecê-lo, logo agiu para que ele não conseguisse recriar o PTB, seu velho partido, que fora dissolvido logo após o golpe de 1964.
O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) entregou o PTB à ex-deputada Ivete Vargas, que também havia solicitado o registro. Ela era ligada ao general Golbery do Couto e Silva, um dos nomes mais fortes da ditadura. A Brizola, então, restou criar o seu próprio partido, o PDT.
Uma das razões, aliás, para que a ditadura não permitisse eleições diretas para presidente em 1985 foi o temor de que o vencedor fosse Leonel Brizola ou outro nome da oposição tido como radical.
Brizola foi o único político a ser eleito governador de dois estados diferentes. Ele esteve à frente do Rio de Janeiro de 1983 a 1987 e de 1991 a 1994.
No primeiro mandato no Rio de Janeiro, tal qual havia feito no governo gaúcho, deu ênfase à educação. Sua grande vitrine foi o Centro Integrado de Educação Pública (Ciep).
Projetados pelo arquiteto Oscar Niemeyer, os Cieps foram escolas públicas que ofereciam aulas em tempo integral, além de atendimento médico e odontológico. Foi essa ação que deu início ao debate público no Brasil sobre o ensino integral.
No segundo mandato no Rio de Janeiro, Brizola foi o governante brasileiro pioneiro em políticas públicas para a igualdade racial. Ele criou a Secretaria de Defesa e Promoção das Populações Negras e a confiou ao histórico militante Abdias Nascimento.
— Quando dizem “pega ladrão”, a polícia corre atrás do negro, deixando o branco inteiramente à vontade — criticou Brizola na campanha eleitoral para o governo do estado em 1990, numa época em que a sociedade brasileira ainda não reconhecia a existência do racismo estrutural.
Quase uma década antes, o PDT havia sido o primeiro partido do país a incluir a defesa dos negros e dos indígenas como prioridade em seu estatuto e a criar uma secretaria dedicada exclusivamente às questões raciais.
No início dos anos 1980, Darcy Ribeiro, o vice de Leonel Brizola no Rio de Janeiro, descreveu a ideologia dos trabalhistas como “socialismo moreno”, isto é, o socialismo adaptado à realidade brasileira. Numa audiência pública no Congresso Nacional nessa época, o governador disse:
— O Brasil não terá caminho, neste período histórico, fora de uma visão de democracia social. E, quando falamos em democracia social, falamos em socialismo, em liberdade, em busca de uma sociedade igualitária, mais justa, mais aberta, mais democrática, mais livre.
Na mesma ocasião, ele garantiu que não era mais aquele radical dos anos anteriores ao golpe de 1964:
— Nós, que viemos daqueles tempos, ampliamos nossos conhecimentos, reestudamos muitas questões, fizemos avaliações mais profundas e também mudamos. O importante é que tenhamos mudado para melhor, porque essa mudança nos tem aproximado mais ainda do nosso povo. Os tempos mudaram muito. Aqueles tempos foram muito confusos. O povo brasileiro, na sua unidade, recém surgia. A primeira plataforma nacional de base popular recém se formulava, era embrionária. O ambiente nacional era envenenado de desconfiança. A própria classe média não se sentia abrangida e segura com a plataforma popular e, numa atitude de desconfiança, engrossou o intervencionismo autoritário de direita.
O historiador Américo Freire, da Fundação Getulio Vargas, resume:
— Quando voltou do exílio, Brizola já não era aquele trabalhista revolucionário. Ele chegou como um trabalhista reformista, inspirado na social-democracia europeia.
Participação de Leonel Brizola no programa Roda Viva, da TV Cultura, em 1989, antes de lançar-se candidato presidencial
Ao longo das décadas de 1980 e 1990, Brizola disputou com Luiz Inácio Lula da Silva o posto de principal líder da esquerda no Brasil.
O senador Jaison Barreto (MDB-SC) avaliou em 1979, pouco antes da fundação do PT e do PDT, que Brizola e Lula deveriam aderir ao MDB, prestes a ser transformado em PMDB, em vez de criar seus próprios partidos:
— Tanto Lula quanto Brizola parecem estar se deixando envolver por uma propaganda oficial que se dirige a incutir-lhes um falso sentimento de predestinação. Estamos absolutamente certos de que tanto Lula quanto Brizola se debruçarão com interesse sobre nossas ponderações, feitas com o interesse sincero de servir à nacionalidade. O MDB tem o anseio de acolhê-los em suas fileiras.
Como governador do Rio de Janeiro, Leonel Brizola apoiou a campanha para que as eleições presidenciais fossem diretas. Em 1983, ele esteve no Congresso Nacional, onde tentou convencer os senadores e deputados a aprovar a Emenda Dante de Oliveira (que acabaria não prosperando). O governador argumentou:
— Às vezes imagino que, se chegarmos à desgraça de o tal colégio eleitoral eleger um novo presidente, será um presidente, primeiro, sem legitimidade e, segundo, politicamente débil, fraco, sem sustentação, eleito por uma parte do partido oficial [PDS], que já é minoria nacional. Sendo um presidente civil, teríamos a impressão de que a sociedade estaria recuperando o poder de decidir. Isso não seria verdadeiro. Estou persuadido de que esse seria o caminho mais imediato para um reintervencionismo militar e autoritário.
Na primeira eleição direta para presidente da República depois da ditadura, em 1989, o político gaúcho chegou a figurar nas pesquisas de intenção de voto como franco favorito. O senador Mário Maia (PDT-AC) comemorou:
— Hoje, no Brasil, ninguém simboliza o movimento popular melhor que Brizola. O povo o identifica como o legítimo e único sucessor de Getúlio Vargas e de Jango. Brizola representa a retomada dos caminhos percorridos por eles e interrompidos pelo golpe de 1964.
O senador João Menezes (PFL-PA), ao contrário, ficou intranquilo:
— Temos, de um lado, a extrema esquerda, com Lula e com Brizola, e de outro, a extrema direita, com o lançamento da candidatura de Ronaldo Caiado. Precisamos encontrar um candidato que represente a garantia da família e, ao mesmo tempo, a garantia do trabalhador do campo, e fazer dele a bandeira que vai ser um impacto contra a extrema esquerda e a extrema direita. Caso contrário, não teremos bons resultados.
Brizola acabou chegando em terceiro lugar, perdendo para Lula, por uma diferença mínima de votos, o direito de ir ao segundo turno com Fernando Collor de Mello.
Em 1994, buscou a Presidência da República novamente. Acabou em quinto lugar. Em 1998, decidiu aliar-se ao antigo adversário e lançou-se candidato a vice-presidente na chapa encabeçada por Lula. Também não venceu. Fernando Henrique Cardoso ganhou as duas disputas.
No dia seguinte à inesperada morte de Brizola, em 2004, a sessão plenária do Senado foi dedicada integralmente ao político gaúcho. Senadores de todos os matizes ideológicos, incluindo a direita, como Antonio Carlos Magalhães (PFL-BA), subiram à tribuna para lamentar o seu falecimento e reconhecer o papel de destaque que ele desempenhou na história do Brasil.
Leonel Brizola tornou-se oficialmente herói nacional em 2015. O Senado e a Câmara dos Deputados aprovaram um projeto de lei que incluiu o político gaúcho no Livro dos Heróis e Heroínas da Pátria, guardado no Panteão da Pátria e da Liberdade, em Brasília. Ele aparece ao lado de figuras como Tiradentes, Frei Caneca e Machado de Assis.
O historiador Américo Freire avalia que é importante que os brasileiros de hoje conheçam Leonel Brizola e sua participação na história do Brasil:
— Em seu tempo, a figura de Brizola foi tão politizada que era difícil perceber o significado histórico desse personagem. Hoje, com o distanciamento temporal, conseguimos enxergar tudo que ele fez, sempre indignado diante da realidade social, e entender que o poder público pode, sim, fazer diferente, criar coisas novas, adotar uma política centrada nos direitos humanos. Brizola comprova que o Brasil é inventivo e tem repertório para fazer isso.
Fonte: Agência Senado – Por: Ricardo Westin
Geral
Governo avalia viabilidade de o Brasil criar seu próprio GPS

Um grupo de especialistas vai estudar a viabilidade de o Brasil desenvolver seu próprio sistema de geolocalização por satélite, um empreendimento de altíssima complexidade e custo. Formado por representantes de ministérios, da Aeronáutica, de agências e institutos federais e da Associação das Indústrias Aeroespaciais do Brasil, o grupo técnico deve diagnosticar as eventuais consequências do país depender de sistemas de posicionamento, navegação e tempo controlados por outras nações.
O grupo foi criado no início deste mês, por meio da Resolução nº 33, do Comitê de Desenvolvimento do Programa Espacial Brasileiro. Assinada pelo ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) da Presidência da República, Marcos Antonio Amaro dos Santos, a resolução estabelece um prazo de 180 dias, contados a partir de 14 de julho, para que o grupo entregue ao ministro um relatório com suas conclusões e sugestões.
“O grupo ainda está se organizando”, explicou nesta segunda-feira (21), em entrevista à Agência Brasil, Rodrigo Leonardi, diretor de Gestão de Portfólio da Agência Espacial Brasileira (AEB), um dos 14 órgãos e entidades que vão compor o grupo, que poderá convidar representantes de outras instituições aptos a contribuir com os objetivos estratégicos do grupo.
“Vamos procurar entender os gargalos, as dificuldades, os prós e contras de desenvolvermos um sistema destes”, acrescentou Leonardi, destacando a importância dos atuais sistemas de navegação por satélite – dentre os quais, o mais conhecido é o estadunidense GPS (do inglês, Sistema de Posicionamento Global), operado pela Força Espacial dos Estados Unidos.
“No Brasil, historicamente, priorizamos o debate acerca de outros aspectos espaciais, como a necessidade de termos satélites para monitoramento territorial. Agora, vamos discutir se queremos ou não ter nosso próprio sistema de navegação; o investimento necessário para fazê-lo e, se for o caso, a necessidade nacional de ter um sistema global ou um sistema regional, capaz de cobrir todo nosso território. Qualquer que seja o caso, se o país concluir que deve fazer isso, o patamar de investimentos terá que ser muitas vezes maior que o atualmente investido no programa espacial brasileiro”, concluiu Leonardi, admitindo a complexidade da empreitada, que exige capacidade tecnológica para projetar, fabricar e lançar satélites capazes de transmitir, do espaço para a terra, sinais precisos.
Ruído
O grupo técnico foi criado uma semana antes do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, anunciar que, a partir de 1º de agosto, os produtos brasileiros pagarão uma tarifa de 50% para ingressar em território estadunidense. E duas semanas antes de as redes sociais serem tomadas pelo debate sobre a possibilidade de os Estados Unidos, em caso de uma guerra comercial, desligarem ou restringirem o sinal de seu sistema, o GPS (do inglês, Sistema de Posicionamento Global), para o Brasil.
“Este é um típico caso de ruído surgido nas mídias sociais, capaz de gerar ansiedade. E uma coincidência, porque já vínhamos discutindo o tema há tempos, de maneira que a criação do grupo não teve nenhuma relação com o que aconteceu depois”, afirmou Leonardi.
“Primeiro, porque não houve nenhum comunicado, de nenhuma autoridade norte-americana, sobre a remota possibilidade dos EUA restringirem o uso do GPS no Brasil. Depois porque, mesmo que isso acontecesse – o que seria uma situação muito drástica e improvável – há alternativas ao GPS”, assegurou o diretor da Agência Espacial Brasileira.
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GNSS
Segundo Leonardi, a maioria das pessoas erra ao usar a sigla GPS como sinônimo de GNSS, do inglês Sistema Global de Navegação por Satélite, termo correto para se referir a qualquer conjunto (ou constelação) de satélites usado para fornecer serviços de posicionamento, navegação e temporização global.
“O GPS é o sistema de propriedade dos EUA, mas há outros, globais, como o Glonass [russo]; o Galileo [União Europeia] e o BeiDou [ou BDS], da China. Estes têm cobertura global e podem ser utilizados, inclusive, no e pelo Brasil. E há também algumas nações que possuem sistemas regionais, como a Índia [NavlC] e o Japão [Qzss]”, apontou Leonardi.
“Com isso em mente, é lógico cogitar que, em tese, os EUA poderiam degradar ou até mesmo restringir o sinal de seu GPS para determinadas regiões, mas esta seria uma medida tão drástica que, a meu ver, só se justificaria se a segurança nacional dos EUA estivesse sendo ameaçada”, ponderou o diretor da AEB.
“Primeiro porque as empresas estadunidenses que operam no Brasil, como aplicativos de transporte e de entrega, seriam afetadas. Outras nações também seriam prejudicadas, já que não há como limitar o sinal para todo um território sem afetar países fronteiriços. Fora que isso poderia causar acidentes, por exemplo, na aviação civil, custando vidas, inclusive as de norte-americanos. Para não falar das repercussões comerciais, já que outros países se perguntariam se deveriam continuar confiando no sistema norte-americano ou migrar para outros”, apontou Leonardi.
Multiconstelação
Professor da Universidade de Brasília (UnB), onde coordena o Laboratório de Automação e Robótica (Lara), Geovany Araújo Borges, concorda com a avaliação de que, tecnicamente, os EUA poderiam interromper o sinal do GPS ou mesmo tornar o sistema menos eficaz para uma determinada região, mas não crê que isso venha a ocorrer.
“Se fizessem isso sem aviso prévio, os norte-americanos assumiriam o risco de contrariar seus próprios interesses em território brasileiro”, endossou Borges, acrescentando que boa parte dos sistemas e equipamentos eletrônicos modernos são capazes de receber o sinal de mais de um sistema de geolocalização. De maneira geral, os sinais enviados pelos satélites que integram os diferentes sistemas em operação são captados por receptores embutidos em veículos, aeronaves, espaçonaves, navios, munições guiadas de precisão, aplicativos e telefones celulares, além de equipamentos de monitoramento de uso industrial, civil e militar.
“A maioria dos aparelhos celulares, por exemplo, já é multiconstelação, ou seja, é capaz de receber, automaticamente, o sinal de diferentes sistemas. De forma que, em termos de localização, nossos celulares seguiriam funcionando normalmente se deixássemos de receber o sinal do GPS. A mesma lógica vale para muitos outros sistemas [dependente de serviços de posicionamento, navegação e temporização global]: se o sistema de sincronização for redundante, o impacto será limitado”, disse Borges, defendendo a importância de um país dispor de tecnologias próprias neste setor.
Ele lembra que, independentemente das intenções norte-americanas ou de haver alternativas ao GPS, hoje o Brasil depende de outras nações neste que é um campo estratégico.
“Várias áreas perdem com isso. Não só porque um país independente tem que ter um setor de defesa aeroespacial forte, como porque o desenvolvimento de tecnologias aeroespaciais beneficia outros segmentos, como, por exemplo, a medicina, a indústria e a agropecuária”, comentou o professor, assegurando que o Brasil dispõe de mão de obra qualificada e capacidade de desenvolver, a longo prazo, seu próprio sistema.
“Nosso problema não é RH [recursos humanos]. É dinheiro. Temos pessoal capacitado. A questão é se temos condições de bancar um projeto desta envergadura. Principalmente porque, qualquer coisa neste sentido que comecemos hoje, demorará a vingar. Até mesmo porque alguns países não aceitarão exportar certos componentes essenciais. Então, teremos que, paralelamente, desenvolver nossa indústria de microeletrônica, investir mais em educação básica e assegurar que este projeto seja uma política de Estado. Neste sentido, ainda que tardia, é positiva a criação de um grupo de especialistas para debater o tema”, finalizou Borges.
Geral
Lula emite nota sobre medida dos EUA contra ministros da Suprema Corte

O Presidente da República do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, divulgou uma carta/nota neste sábado(19), em apoio aos ministros do Supremo Tribunal Federal, ao serem atingidos pelo presidente americano Donald Trump. Leia abaixo:
“Minha solidariedade e apoio aos ministros do Supremo Tribunal Federal atingidos por mais uma medida arbitrária e completamente sem fundamento do governo dos Estados Unidos.
A interferência de um país no sistema de Justiça de outro é inaceitável e fere os princípios básicos do respeito e da soberania entre as nações.
Estou certo de que nenhum tipo de intimidação ou ameaça, de quem quer que seja, vai comprometer a mais importante missão dos poderes e instituições nacionais, que é atuar permanentemente na defesa e preservação do Estado Democrático de Direito.
LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA
Presidente da República“
Geral
Adolescentes não têm apoio para lidar com redes sociais, diz pesquisa

Uma pesquisa realizada em abril mostrou que 90% dos brasileiros maiores de 18 anos que têm acesso à internet acreditam que adolescentes não recebem o apoio emocional e social necessário para lidar com o ambiente digital, em especial as redes sociais. Foram ouvidos no levantamento mil brasileiros conectados de todas as regiões e classes sociais, com 18 anos ou mais.
A margem de erro é de 3 pontos percentuais para o total da amostra, considerando um intervalo de confiança de 95%.
Segundo a pesquisa, 9 em cada 10 brasileiros acreditam que os jovens não têm apoio emocional e social suficiente, enquanto 70% defendem a presença de psicólogos nas escolas como caminho essencial para mudar esse cenário.
O levantamento foi realizado pelo Porto Digital, em parceria com a Offerwise, empresa especializada em estudos de mercado na América Latina e no universo hispânico, a partir da repercussão de um seriado que abordou o lado sombrio da juventude imersa no mundo digital e o abismo entre pais e filhos.
Para 57% dos entrevistados, o bullying (agressão intencional e repetitiva, que pode ser verbal, física, psicológica ou social, para intimidar uma pessoa) e violência escolar são um dos principais desafios de saúde mental. Também estão entre os principais desafios atualmente enfrentados pelos jovens a depressão e a ansiedade (48%) e a pressão estética (32%).
Adolescência, série apresentada pela Netflix evidenciou necessidade de colocar a questão em debate, diz Pierre Lucena – Divulgação: Porto Digital
Na avaliação do presidente do Porto Digital, Pierre Lucena, a série Adolescência, apresentada pela rede de streaming Netflix, colocou em evidência a necessidade de se debater a questão.
“O cuidado com a juventude deve ser um compromisso compartilhado, que envolve escolas, famílias, empresas e governos. Essa pesquisa evidencia que não basta discutir inovação tecnológica – é preciso humanizá-la e colocá-la a serviço da sociedade”, disse. “O futuro da inovação está diretamente ligado à forma como cuidamos dos nossos jovens. Não basta impulsionar avanços tecnológicos — é fundamental criar pontes entre a tecnologia e a transformação social real”, afirmou.
A pesquisa mostra que uma das ferramentas usadas pelos pais é o controle do tempo de navegação na internet. Segundo o estudo, entre crianças de até 12 anos, o controle tende a ser mais rígido e constante, inclusive com o uso de mecanismos de monitoramento. No entanto, apenas 20% dos pais responderam que pretendem usar futuramente alguma ferramenta de controle.
Já entre os adolescentes de 13 a 17 anos, a supervisão tende a diminuir. Os pais ainda acompanham, mas de forma mais flexível, permitindo maior autonomia.
Para o diretor-geral da Offerwise, Julio Calil, o cenário mostra a necessidade de desenvolvimento de espaços de acolhimento e orientação, tanto para os pais quanto para os filhos, como alternativas para proteção no ambiente digital.
“Os resultados da pesquisa nos mostram que a população enxerga a necessidade de um esforço conjunto para criar espaços mais seguros e de apoio nas escolas, especialmente diante do uso precoce e intenso das redes sociais”, apontou.
Plataformas
Recentemente, as principais plataformas digitais modificaram suas regras para restringir ou excluir a moderação de conteúdos publicados na internet, dificultando a identificação de contas ou publicações com conteúdos considerados criminosos.
Professor Luciano Meira defende regulação de plataformas para manter espaço social online saudável para jovens e crianças – Foto: Arquivo pessoal
Para o professor adjunto de psicologia da Universidade Federal de Pernambuco, Luciano Meira, tal decisão parece priorizar interesses comerciais e políticos dos proprietários das redes.
“Essa decisão diminui a responsabilidade social das big techs, das corporações, das organizações controladoras das plataformas. Isso tem um impacto direto na proliferação de ódio, desinformação, conteúdos prejudiciais em diversas camadas, especialmente, entre populações vulneráveis. Muito jovens ficam mais expostos a conteúdos inadequados sem essa moderação e, claro, quando se trata de desinformação, isso ataca instituições e a própria democracia”, avaliou.
Na outra ponta, o Supremo Tribunal Federal (STF) está julgando a constitucionalidade do Artigo 19 do Marco Civil da Internet (Lei 12.965/2014), segundo o qual, provedores, websites e redes sociais só podem ser responsabilizados por conteúdo ofensivo ou danoso postado por usuários caso descumpram uma ordem judicial de remoção.
Ph.D. em educação matemática pela Universidade da Califórnia e mestre em psicologia cognitiva, Meira pontua que a ausência de uma decisão sobre o tema pode levar a uma potencial sobrecarga judicial.
“Pode haver um aumento considerável de casos judiciais justamente pela falta dessas ações preventivas. Então, é possível preservar a liberdade de expressão com moderação responsável. A meu ver, o posicionamento é uma rediscussão do Artigo 19 do Marco Civil da Internet para fortalecer o que seria a proteção social, não só de crianças e jovens, mas de avaliar o que se faz com o grupo de idosos hoje, vulnerabilizados por todo um conjunto de ataques, de cooptação a determinados tipos de ideologia”, acrescentou.
Além disso, tramita no Congresso Nacional o Projeto de Lei 2.630 de 2020, conhecido como PL das Fake News, principal proposta de regulação das plataformas digitais. O texto já foi aprovado pelo Senado e está travado na Câmara dos Deputados. A proposta trata da responsabilidade civil das plataformas e também tem elementos de prevenção à disseminação de conteúdos ilegais e danosos a indivíduos ou a coletividades.
“Regular essas plataformas é vital para que tenhamos a manutenção de um espaço social online, produtivo e saudável para todas as pessoas – principalmente jovens e crianças que têm menos mecanismos individuais de proteção”, afirmou. “Aqueles que defendem a desregulamentação total das redes certamente têm uma uma ideia frágil e inconsistente do que é liberdade. Uma liberdade restrita sem controle social destrói, degenera as bases da nossa capacidade de construir e de fazer evoluir uma civilização. Então, claramente, a autorregulação é insuficiente, especialmente em se tratando de empresas que buscam lucro através, por exemplo, da publicidade, do comércio, enfim, as grandes plataformas, as big techs”, alertou.
Enquanto não há uma decisão sobre o tema, o professor considera necessário construir um ambiente de confiança, na escola, na família e nos demais espaços onde crianças e jovens são acolhidos para evitar que crianças e adolescentes acabem sendo submetidos a situações de disseminação de ódio e bullying, entre outras.
“O principal é a construção da confiança entre as pessoas. Sem a construção desses laços, desse relacionamento baseado na confiança, qualquer dessas estratégias não terá os efeitos desejados. A primeira orientação é estabelecer um diálogo aberto. Então, pais, mães, filhos e filhas, eles têm que, de alguma forma, estabelecer, manter, ou evoluir essa interlocução confiante.
De acordo com Meira, esse ambiente propicia a realização de conversas sobre os riscos online e também sobre a forma como se dão os relacionamentos com e nas redes sociais. “Eu entendo que essas são conversas íntimas que, baseadas na confiança, podem progredir de forma saudável”, afirmou.
Outro ponto defendido pelo professor é o estabelecimento de limites claros sobre o uso da internet e de redes sociais como, por exemplo, de tempo e de tipos de relacionamento.
“Isso não vai ser realizado, não vai ser cumprido se não existir um diálogo aberto em que crianças e adolescentes entendam que existem conteúdos inadequados e que precisam ter senso crítico, ter seu pensamento e formas de raciocínio. No entanto, nessa faixa etária, eles simplesmente ainda não conseguem capturar os riscos. Por isso, precisam de um adulto que tenha pelo menos uma intuição mais apurada para identificar formas de cyberbullying, de exposição excessiva, de conteúdos inadequados, de contato com estranhos entre outros tipos de relacionamentos”, disse.
Luciano Meira ressalta que pais e responsáveis tendem a simplesmente restringir ou proibir o uso de redes sociais, sem um diálogo consistente sobre o porquê da decisão.
“Sinto dizer que os responsáveis o proíbem de uma forma muito autocrática e que talvez não surta efeito, porque não se tem controle absoluto sobre o que acontece na vida de absolutamente ninguém. Você pode estabelecer uma forma de monitoramento participativo, em que busca conhecer, e esse monitoramento pode ser apoiado, do ponto de vista técnico, inclusive por softwares, com aplicações computacionais que você instala no notebook, no computador de mesa ou no dispositivo móvel dessa criança ou jovem para ter acesso ao que está acontecendo nesses dispositivos”, sugeriu.
Por fim, o professor afirma defende que não se deve deixar de lado o mundo real e exemplifica com a legislação que proíbe o uso de celulares nas escolas.
“Mais recentemente, as escolas têm visto alguma movimentação em torno das crianças voltarem a construir relações no mundo físico. Por exemplo, ao proibir o uso de dispositivos nas escolas, convidam as crianças para uma existência que é também offline. No final das contas, um equilíbrio é necessário entre esses mundos para que no final a gente tenha a construção de relacionamentos sociais mais duradouros e que ganhe sustentação na confiança entre as pessoas e não apenas em algoritmos”, concluiu.
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